sábado, 31 de outubro de 2009

O SEQUESTRO

Este é o capítulo mais triste e angustiante na história da minha Brasilia. É fato que não há relação que não tenha altos e baixos, momentos muito bons e outros bem difíceis. Mas acho que nada supera o que se sente quando corremos o risco de perder algo ou alguém muito querido. É quando uma relação pode chegar ao fim contra a nossa vontade. E foi por isto mesmo que passei.
Minha esposa estava grávida de 6 meses do Vitor, ou seja, estávamos naquele momento de felicidade e espectativa, e que também, ao mesmo passo, exige cuidados. Minha Brasilia estava com a forração do teto e das laterais prontas, e agora restava a montagem, principalmente do para-brisa, para eu dar sequencia ao trabalho. As peças (vidros, para-choques e outras) estavam com o Galo, na sua oficina. Todo o processo junto ao "seu" Adilson (tapeceiro) levou um tempo maior do que o desejado. E foi neste interim que veio a primeira surpresa: Galo e Vampirinho haviam desfeito a parceria e fechado a oficina. E foi assim, sem avisar mesmo. Na base do "ouvi falar" e contando com a ajuda do amigo Jesiel, acabei encontrando Galo dividindo oficina com outro mecânico (de nome André), alguns quilômetros longe da primeira. Felicidade no reencontro, tratei de trazer a Brasa para Galo montar os vidros; afinal, isto estava incluso no valor já pago pelo serviço lanternagem + pintura. Uma semana depois voltei para retirar o carro pronto. E veio a segunda surpresa...
A mecânica onde Galo agora trabalhava era um pequeno galpão bastante modesto para a tarefa de abrigar mecânica e lanternagem. Quando um pequeno acidente aconteceu, com a traseira de um outro carro amassando uma das portas da Beringela, isto ficou mais que evidente. Galo, por sua vez, se comprometeu a levar o carro para sua casa (onde haveria mais espaço) e realizar o "reparo em garantia". Mais duas semanas se passaram, e a pior das surpresas se deu: procurando por Galo na oficina, ninguém (principalmente seu parceiro André) sabia de seu paradeiro.
Faziam mais de dez dias que Galo e minha Brasilia haviam sumido, e ninguém sabia para onde nem o porquê. Ficamos sabendo algum tempo depois que ele havia pego dinheiro com agiotas e não honrado seus compromissos. Como soubemos? Os credores passaram na oficina, ameaçando inclusive levar equipamentos como forma de pagamento. Ou seja, meu carro estava com um cara que devia grana para pessoas perigosas e eu no meio deste "fogo cruzado"...
Perdi alguns domingos procurando por ele, conheci sua mãe e seu irmão, que também não sabiam onde ele estava, e também foram importunados pelos agiotas. Senti pena dela, pois parecia ser boa pessoa e não merecer esta situação. O celular de Galo, obviamente, seguia desligado. Fiz amizade com os vizinhos da oficina, para saber se havia alguém lá sem ter que me deslocar. Conheci a avó de André, outros clientes de Galo e mecânicos amigos em busca de informação. Importunei Vampirinho e outros conhecidos, mas nada de Galo aparecer. Por fim, sua mãe, extremamente revoltada e decepcionada com a situação criada por seu filho, conseguiu contatá-lo por telefone e falar sobre os acontecimentos. Ele estava na casa de um outro mecânico, procurando trabalhar e levantar alguma grana, bem longe dali.
Neste período, todo tipo de sugestão me foi dada: procurar a polícia, colocar uns "caçadores de devedores" para achá-lo, e mesmo desistir de tudo, para não se envolver em situações ainda mais perigosas. Diziam que já deveria ter virado buggy ou ter sido vendida em peças, em algum desmanche. E eu seguia tentando resolver tudo do modo mais honesto possível. Foi quando, em uma das visitas sem esperança à oficina de André, encontrei o mesmo com um dos olhos bem inchado. Pensei logo que os agiotas (que nesta altura sabiámos se tratar de "policiais") haviam voltado e dado uma surra nele. Qual não foi a surpresa, desta vez boa, quando soube o olho ruim era resultado de um cavaco no olho usando o esmeril, e que André tinha uma  novidade boa para mim: Galo havia ligado e dito onde estava a Brasilia. E, pasmem, ela "descansava" mais próxima do que podia se imaginar: na casa dos pais de André. Galo, que era amigo do irmão de André, havia a deixado lá antes de sumir.
O resumo: reencontrei a Brasa roxa portando, além da porta ainda amassada, um "encostão" no bico do capô, um "podre" na chapa de cobertura do motor e vários pontos da "excepcional" pintura de Galo já soltando bolhas... O vidro da porta havia ficado aberto e, no interior da mesma, "laranja" pela água empossada, uma "criação" de aedes aegypti...
E depois de um mês e meio de angústia, preocupado em não causar ansiedade excessiva à minha esposa e meu herdeiro em sua barriga, senti um alívio realmente indescritível. E o "sequestro" da Brasilia roxa, que não teve pedido de resgate, ainda está sendo pago através dos serviços de recuperação da mesma.
Pode ter certeza que sei o que sente quem já teve seu carro roubado, e agora me solidarizo totalmente. Desculpe-me pelo texto longo e tortuoso, mas infelizmente isto também é parte da história "beringélica". E perdão por não ter ilustrado com uma foto tudo que relatei. Afinal, não fiz (e costumo não fazer) questão de registrar de modo fotográfico uma passagem tão dolorosa.