sábado, 25 de abril de 2009

A SEGUNDA DE TRÊS

Se eu tenho uma qualidade na vida, esta certamente é não desistir dos sonhos tão facilmente. Eventualmente eles tomam outra forma, moldam-se de acordo com a situação vigente, enfim (parafraseando Lavoisier), nos meus sonhos "nada se perde, tudo se transforma". E no sonho de ter uma Brasília 4 portas, tive que desistir da primeira, já que, além do carro, encontrei um camarada tão aficcionado e fechado no seu propósito quanto eu. Não tinha dinheiro para uma proposta irrecusável, nem outros meios de convencê-lo. Por outro lado, mesmo sendo visivelmente difícil, eu ainda acreditava na possibilidade de achar outra Brasilia de raras 4 portas. Saí à procura nos jornais da região, conversei com os conhecidos e, por que não dizer, com os desconhecidos também.
Certo dia, a bateria de meu Santana resolveu "dar por encerradas suas atividades" e eu tive que apelar para um taxi para chegar ao trabalho. Taxistas normalmente são bons de papo e muitas vezes o assunto preferido é seu instrumento de trabalho, ou seja, carros. Papo vai, papo vem, contei as dificuldades que estava enfrentando para encontrar a "agulha no palheiro" e citei o fato de que, antigamente, não era difícil encontrar uma Brasilia desta rodando como taxi no Rio de Janeiro. Foi aí que o taxista teve uma "luz"...
Um senhor, proprietário de uma frota de 6 a 7 taxis para aluguel, teria tido em suas mãos uma Brasilia 4 portas que utilizou na "praça" e que, segundo constava, estaria guardada, sem utilidade em sua garagem. Este senhor (um português de nome Armando) já estava com idade avançada, bastante dinheiro no bolso e - imaginava o taxista - com uma boa conversa e alguma grana, ele fatalmente toparia em fazer negócio comigo. E mais: ele morava em uma casa localizada a meras três quadras da Bosch. Nem preciso mencionar a mudança de rota rumo à casa do nobre lusitano, preciso?...
Casa mostrada, endereço anotado, trabalhei aquela manhã com a cabeça ligada nas possibilidades. No final da minha hora do almoço, deu uma "fugida" e fui bater na porta do Sr. Antonio. Na "cara dura" mesmo, me apresentei ao senhor de 70 e poucos anos e contei um resumo da conversa com seu colega taxista. Ele se mostrou solícito e me abriu sua casa, mesmo levemente desconfiado do estranho aqui. Me levou até a garagem e levantou uma capa onde, no meio da poeira, podia-se ver de fato uma Brasilia Amarelo Java de 4 portas, ano 80.
Admito que não consegui ver muitos detalhes, mas me pareceu um carro íntegro. Admito também que, na hora de fazer a proposta, mandei mal (mas mal mesmo). Na minha cabeça engenheirística, subtraí dos dois mil reais que estava disposto a gastar, o valor dos 4 pneus novos e da bateria que teria que adquirir para colocar a brasa para andar. E (sabe-se lá como) este cálculo absurdamente deu 850 reias. E foi isto que ofereci ao velho português. Foi triste notar a mudança de humor e como o tempo dele para mim rapidamente "se encurtou". Com repetidas frases "vou pensar", ele me levou até a porta e mal se despediu.
Uma semana depois voltei atrás de uma resposta e, sem sequer abrir a porta e sem dar explicações (se é que precisava), através da janelinha de visita ele disse não estar mais interessado na venda. Voltei umas duas ou três vezes depois que vi o tamanho da bobagem que havia feito, mas em todas elas quem me atendeu foi sua enfermeira dizendo que ele estava acamado. Perdi algumas noites de sono e mentalmente me dei algumas "chibatadas" pela oportunidade desperdiçada.
Posteriormente fiquei sabendo que, de fato, ele havia ficado doente naquele período e viria a falecer, deixando a Brasilia para o inventário da família. E eu voltei a estaca zero, sem pista de outra 4 portas, mas, como disse no começo, sem nunca desistir do sonho.
56 abraços!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

PORQUE UMA BRASILIA 4 PORTAS?

Acredito que o passo primordial para se tornar um antigomobilista é escolher que marca, modelo, época ou tema vai nortear a sua coleção. E o leque de opções é grande: veículos do pós-guerra, décadas de 50 e 60, americanos ou europeus, veículos do começo do século passado, "muscle cars" da década de 70, "minis" (Isetta, Fiat Topolino, Mini Morris, etc.), caminhões antigos, picapes... Apontar uma escolha neste universo extenso muitas vezes não é tarefa fácil. E não é raro uma experiência do passado se transformar em paixão: o carro da minha infância, o primeiro que dirigi, aquele que o vizinho tinha e não vendia de jeito nenhum, e por aí vai.
Comigo a coisa aconteceu de modo mais racional, sem deixar de ser quase por acaso. Todos os dias eu percorria um mesmo caminho para chegar ao trabalho. E no meu trajeto matinal vinha pensando que carro seria o escolhido para começar a "brincadeira". Queria que fosse algum de mecânica descomplicada, sem dificuldade de se encontrar peças e que não apresentasse muitos defeitos. Afinal, era o começo e este deveria ter uma certa facilidade, para "pegar o jeito da coisa". Qualquer um com um mínimo de conhecimento sobre carros nas nossas terras tupiniquins apontaria tranquilamente a mesma família: Volkswagens de motorização "a ar" (Fusca, Kombi, Variant, Karmann-Ghia e seus derivados). Como dizia meu pai, acham-se peças de Fusca até no botequim da esquina... Para ficar perfeito, só se fosse relativamente confortável e levemente raro. Afinal, uma raridade é o que todo colecionador quer.
Por acaso, neste mesmo trajeto para o trabalho havia uma auto-elétrica. E um belo dia surgiu um carro "diferente" por lá. Comecei a notar que este "diferente" passou a ser "permanente" na frente da oficina. E todo dia nós nos encontrávamos. O "diferente" era uma Brasília 4 portas, cor branco gelo, já equipada com as rodas do modelo conhecido como "tijolinho". Realmente a coincidência me chamou atenção. Afinal, era um carro de mecânica simples, com os atributos que estava buscando: confortável como um Fusca jamais poderia ser (espaço + 4 portas = conforto), fácil de achar peças e um pouco raro, visto que poucas foram produzidas, sendo a maioria exportada ou vendidas a taxistas.
Estava decidido: seria uma VW Brasilia 4 portas! Não demorou para eu conhecer o dono daquela Brasilia branca e descobrir se ele (se não me engano, seu nome era Miguel) estaria disposto a vendê-la. Acabei descobrindo que ele havia acabado de comprar aquela, depois de uma certa "caçada" nas cidades vizinhas de Campinas. Acabamos trocando algumas informações sobre aquele modelo, sobre sua reforma e o estilo das linhas (para nós, muito mais equilibradas que a Brasilia de 2 portas). Ficou a promessa, por este meu mais novo amigo, de um contato, caso uma outra 4 portas fosse encontrada por ele, o que de fato acabou não acontecendo.
Admito que saí meio desolado daquele encontro... Afinal, se já era difícil encontrar uma Brasilia de 4 portas em Campinas, que dirá outra? Mal sabia eu que logo toparia não com uma, mas com outras DUAS destas. Mas isto é história para um outro (próximo) post...
56 abraços!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

CAMPINAS E O ANTIGOMOBILISMO

Com certeza um dos passos mais importantes da minha vida foi a mudança para Campinas. Na época, eu trabalhava em um micro-escritório-apartamento-bagunçado em Botafogo, cujo dono-chefe fazia serviços de análise de tensões em tubulações para a Petrobras. O assunto era chato, muito chato mesmo, mas mais ainda era meu chefe, sem sombra de dúvidas o pior que tive até hoje... Sem futuro ou prazer, somente a grana razoável que entrava era o que me mantinha lá. Mesmo assim, buscava outros desafios e mandava meu currículo para algumas empresas, principalmente no ramo automobilístico e de auto-peças, meu foco e minha paixão. Foi quando surgiu um processo de seleção para a Bosch, em Campinas. Passei pelas várias etapas e acabei contratado em 2002, para a fábrica de Freios.
Com quase 26 anos, já era hora mesmo de sair debaixo da saia da mamãe... E foram dois anos e meio muito bons, de novas experiências e muito aprendizado. Uma real mudança de vida. Campinas é uma boa cidade, com boa infraestrutura e sem a bagunça (leia-se sujeira, falta de educação e violência) do Rio de Janeiro. E, para minha sorte, também é uma cidade de tradição maior quando o assunto é automóvel antigo. Os constantes encontros de antigomobilistas no Shopping Galeria, que acontecem até hoje, não me deixam mentir.
Ganhando bem, morando sozinho, buscando novos rumos e com esta aura antigomobilista campineira, foi de certo modo natural que eu decidisse por começar a minha própria coleção de antigos. Afinal de contas, não é somente a beleza destes carros que me chama a atenção. O empenho de seus proprietários em manter as condições originais, os detalhes minuciosos, os cuidados especiais, realmente me toma de grande admiração. Gosto de pessoas que lutam com real afinco por um objetivo.
E mais um ponto importante veio ao meu encontro: a possibilidade de personalização. Não ser apenas mais um na multidão (ou, neste caso, no trânsito). Original ou modificado, um veículo antigo tem sempre a cara do seu dono e o diferencia de tudo que normalmente encontramos por aí. Não há quem não note e não abra um sorriso ao ver um "antiguinho" passeando na rua. Gosto dos novos carros, da velocidade, da tecnologia que eles carregam, mas é fato que a mesmice comercial tomou conta do mercado através dos modelos atuais. É até bem fácil confundir um Fiesta com um Corsa ou Celta, mas até uma criança sabe quando na sua frente está um Fusquinha.
E foi a partir daí que comecei a crescer no tema, a buscar informações, a assinar minhas Classic Show, Fusca & Cia., Antigos de Garagem, etc. Descobri que até entre os colecionadores existem diferentes perfis, décadas e modelos preferidos, clubes de todas as marcas, encontros, venda de peças e até competições. E que a possibilidade de escolha é quase infinita. E conforme você vai conhecendo, mais vai se encantando e querendo fazer parte deste "desfile sobre rodas". Como dizem os apaixonados, vai circulando ferrugem nas veias...
No próximo post, como entrei na prática para o rol dos proprietários de veículos antigos.
56 abraços!

domingo, 5 de abril de 2009

A PRIMEIRA BRASILIA

Minha mãe costuma utilizar provérbios e ditos populares para várias situações. Alguns bem conhecidos ("o que não tem remédio, remediado está" ou "filho de peixe, peixinho é"), outros nem tanto ("as águas calmas são as mais profundas"). No caso da minha primeira experiência como motorista, coube bem o famoso "casa de ferreiro, espeto de pau".
Apesar da grande maioria das minhas atividades automobilísticas terem acontecido através das mãos e das ações de meu pai, e ele ser, de fato, um supercompetente motorista executivo, não foi ele quem primeiro me colocou no banco do motorista e disse "engata a primeira e vamos embora"... Talvez (ou melhor, certamente) pelo fato do carro da família ser também aquele que trazia o sustento, não havia margem para se correr riscos. A expressão "garantir a disponibilidade", que tanto uso hoje tratando de máquinas para produção, entrou muito antes na minha vida. Foram necessários mais de 800 km de distância e a iniciativa de um tio para que eu desse minhas primeiras voltas no volante de verdade (e não apenas para lavar o carro...).
Meu tio Marco sempre foi um tio próximo e querido dos sobrinhos cariocas. Talvez pela jovialidade, talvez pelo bom humor, sempre tínhamos agradáveis momentos juntos em nossas viagens à Curitiba. E coube a ele me dar a oportunidade de dar umas voltinhas pelo quarteirão.
Colombo, cidade satélite de Curitiba, na época praticamente só tinha ruas de terra batida e bastante tranquilidade. Meu tio me pegou de surpresa com o convite. Eu, com 17 anos e já apaixonado por carros, obviamente esperava com ansiedade por um dia como este, e topei a aventura na hora. Ao entrarmos no carro, ele me perguntou se eu sabia como fazer um carro funcionar (na teoria, eu sabia tudo, né?), me deu algumas dicas e soltou uma frase que ficou gravada na memória: "pé esquerdo só serve para duas coisas nesta vida: chutar bola e pisar na embreagem". Com isto, estava quase assegurado que os pés não ficariam se embaralhando perigosamente nos pedais, e que tudo correria bem.
Ok, a primeira vez é sempre meio complicada para tudo. Perguntei a meu tio se ele sentia o motor do carro tremer. Ele respondeu que sim. "Pois é, tio, neste caso, não é o motor: sou EU que estou tremendo"... Claro que deixei o carro morrer algumas vezes, "colei" a cara de meu tio no vidro duas ou três, suava cachoeiras de tão nervoso, mas no final foi gostoso. O volante era esportivo (um Panther, da época, se bem lembro) e os engates do câmbio aconteciam quase naturalmente. O torque em baixas rotações tornava a aventura mais interessante ainda. Houve ainda uma segunda "sessão" onde minha mãe e mais uma turminha foram no banco de trás, acompanhando. Não vi se alguém estava cravando as unhas de medo no assento traseiro, mas quando acabou, todos disseram que foi tudo bem.
Por fim, o detalhe mais interessante de toda esta história, e que você já deve estar imaginando: este carro do meu tio, de fato, era uma BRASILIA!... De um tom de vermelho quase vinho, era bonita como acho toda Brasília bonita, ainda mais naquele dia ensolarado. Mas, engraçado, passados mais de 15 anos, ainda lembro da sensação, da tocada, da precisão dos comandos e até mesmo da consistência do volante!
Tempos depois soube que aquela Brasília teve um fim não muito feliz, por conta de um incêndio e uma confusão com mecânicos. Ainda guardo uma foto deste "piloto" ocupando seu "cockpit" no "possante". Mas nem precisaria: toda vez que toco neste assunto, um filme na minha cabeça me faz estar lá, com todos os detalhes, como se estivesse tudo apenas começando...
56 abraços!